Diante de uma doença, o paciente deve se atentar para buscar ajuda de profissionais da área da saúde sérios e comprometidos com a ciência.

Todo cuidado é pouco. Do contrário, o paciente pode inadvertidamente abrir mão da medicina baseada em evidências e permitir que o medo o torne alvo de engodo

Há um tempo, fomos noticiados do drama vivido pelo apresentador Marcelo Rezende em sua luta contra um câncer de pâncreas e metástases hepáticas.
A torcida pela sua melhora foi mesclada por questionamentos quanto à sua decisão de abandonar a quimioterapia.

Uma reportagem de 22/09/2017 da revista Veja, intitulada Marcelo Rezende: a opção pelo tratamento alternativo, revelou alguns detalhes de sua escolha.
Como podemos analisar esse episódio?

Razão e fé andam juntas?

Razão e fé se complementam?

Sim, podem andar. E por que não?

Qual é o problema de se buscar refúgio na ESPIRITUALIDADE, especialmente quando a saúde é desafiada?

Nessa situação, é comum a procura por respostas ou simplesmente conforto por meio da .

Essa busca independe de doutrina (católica, espírita, budista, nenhuma etc.) ou local (num templo, em casa etc.).

E é natural desejar ou acreditar na cura da enfermidade ou simplesmente no alívio do sofrimento. Isso é fé. Isso é importante e deve ser respeitado e elaborado conforme as preferências individuais.

O papel da Medicina Baseada em Evidências

A Medicina, por sua vez, sobretudo a ocidental, há séculos representa o campo da razão.

A Medicina fundamenta-se no método científico

Geralmente dissociada de crenças religiosas específicas, fundamenta-se em CIÊNCIA, ou seja, no MÉTODO CIENTÍFICO, isto é:

  1. Observamos algo na natureza
  2. Fazemos perguntas
  3. Elaboramos hipóteses
  4. Fazemos experimentos
  5. Analisamosos dados
  6. Chegamos a uma conclusão

É assim, por meio de boas práticas científicas, que descobrimos, por exemplo, se um certo tratamento tem algum benefício, ou se tem efeitos colaterais proibitivos, ou ainda se um exame diagnóstico é custo-efetivo. (Clique aqui se quiser saber mais sobre o Diagnóstico do Câncer).

A isso damos o nome de MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS.

O conhecimento científico-tecnológico possibilita o aumento da expectativa e da qualidade de vida

Graças às evidências científicas acumuladas ao longo do tempo e colocadas em prática, a humanidade tem vivido mais tempo e com mais qualidade, como explicado em outro artigo.

Portanto, o conhecimento científico é um patrimônio do homem e pode ser visto (se você concordar) como uma manifestação da inteligência divina.

Existe outra Medicina?

A desejável MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS procura se opor a uma medicina baseada em autoridade.

Os meios de comunicação, principalmente a internet, permitem o surgimento de autoridades em quaisquer assuntos. A informação assim divulgada pode ser realmente valiosa se idônea e de qualidade; mas pode custar caro se fraudulenta e ardilosa.

Isso é especialmente temeroso em se tratando do bem mais precioso de que dispomos: a saúde.

Todo cuidado é pouco quanto a informações relacionadas à saúde, ainda que divulgadas por gurus na internet , na TV ou em revistas semanais

Neste caso, os conhecimentos médico-científicos do melhor nível de evidência não podem ser substituídos por teorias sem embasamento científico sólido, de baixo nível, controversas e duvidosas.

Em situação de doença, o indivíduo fragilizado fica suscetível a sugestões de pessoas próximas bem-intencionadas…

…Mas também à lábia inescrupulosa de toda espécie de enganadores, que por meio de técnicas de oratória e persuasão não medem esforço para angariar adeptos de seus discursos e práticas falaciosos.

Esse desserviço prestado à sociedade é particularmente inaceitável se partir de médicos. O Art. 112, no Capítulo XIII, do Código de Ética Médica afirma:

É vedado ao médico:

Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.

O artigo seguinte (Art. 113) complementa:

É vedado ao médico:

Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente.

Portanto, atenção!

MUITO CUIDADO ao ouvir frases e tratamentos do tipo:

  • Informações pseudocientíficas ou de baixo nível de evidência divulgadas por supostas autoridades podem ludibriar os leigos no assunto
  • “Sorte das mulheres que moram onde não tem mamógrafo. Mamografia causa câncer. As mulheres devem fazer termografia.”
  • “Exposição ao sol diminui o risco de melanoma.”
  • “Só há três coisas que causam o câncer: primeiro, um conflito emocional.”
  • Água imantada (magnetizada) e água alcalina
  • Auto-hemoterapia
  • Ozonioterapia
  • Fosfoestanolamina

Tais recomendações são CONDENADAS pela comunidade científica devido à falta de respaldo (vide referências abaixo).

Autonomia do paciente

A autonomia do paciente deve ser respeitada

Por outro lado, após o esclarecimento livre e consentido sobre o diagnóstico e prognóstico por parte da equipe médica, a decisão do paciente deve ser respeitada.

Novamente dentro do Código de Ética Médica, o Art. 24, no Capítulo IV, diz:

É vedado ao médico:

Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Assim, cabe ao médico explicar ao paciente sobre sua doença e seu manejo (exames e tratamento) para que ele compreenda a situação plenamente. Se, mesmo assim, o paciente desejar simplesmente não tratar ou buscar outras formas de terapia, ele não deve ser cerceado em sua decisão.

Conclusão

Diante de um problema de saúde, palpiteiros surgem de toda parte. E geralmente são bem intencionados. Mas infelizmente também não faltam charlatões, que se aproveitam da mazela, do desespero ou da ingenuidade alheia.

Não cabe a ninguém criticar a decisão do apresentador de abandonar o tratamento médico convencional para buscar tratamentos alternativos. Ele deve ter sido informado sobre o seu diagnóstico e prognóstico. Orientado e esclarecido que era, procurou fazer o que considerou melhor para si. Sua autonomia foi respeitada.

Cabe a nós, cidadãos, ficarmos atentos, analisarmos criticamente e filtrarmos com inteligência e lucidez a avalanche de informações que nos chegam, separando o joio do trigo para a melhor tomada de decisão.

Referências:

 

 

Posso ajudar?